Era um dia um sujeito muito sovina. Tendo comprado um boi para abater e não querendo
repartir-lhe o fato com os vizinhos, disse que ia matá-lo num lugar onde não houvesse
moscas nem mosquito. Pegou o cavalo, botou os meninos dentro dos caçuás, amarrou
o boi e saíram puxando-o, ele mais a mulher. Andaram o dia inteirinho. Quando já ia escurecendo,
deram naquele campo muito grande. Olhou ao redor e não viu casa nem nada. Assim, não tinha
onde mandar pedir lume para fazer o seu fogo, que era para preparar o de-comer. Afinal,
enxergou duas luzinhas muito longe. Disse ao filho mais velho:
– Menino, vai ali pedir um tição de fogo.
A criança saiu correndo. Quando estremeceu, estava em cima daquele bichão, com os olhos que
eram duas tochas. Tremendo de medo, foi dizendo:
– Abença! Papai mandou dizer pra vosmencê ir tomar o fato do boi.
O bicho levantou-se, sacudiu as orelhas –paco, paco, paco – e gritou:
– Matei tigre, matei onça,
Matei leão, matei serpente.
Eu sou Dom Maracujá!
Eu sou Dom Maracujá!
O menino voltou voando. Foi chegando perto do pai e foi gritando:
– Meu pai, meu pai! Vamos embora. Ai vem um bicho botando fogo pelos olhos, que vem
desesperado. Si ele nos pegar aqui, nos come a nós todos.
O homem largou boi, largou cavalo, caçuás, comida, tudo, metendo o pé no mundo, com a mulher
e os filhos. Toca a correrem. Toca a correrem, ouvindo a voz do bicho atrás deles:
– Matei tigre, matei onça, etc.
Correram a noite inteira. Já era de madrugada e eles não podiam mais dar um passo, de cansados,
quando passaram pela tenda de um sapateiro, que estava fazendo serão. Vendo-os naquela
carreira doida, em termo de morrerem sem fôlego, o sapateiro gritou:
– O que é isto, senhor? Aonde vai a esta hora, com essa mulher e esses meninos, correndo de
semelhante jeito?
– Ai, meu senhor, é um bicho que vem aí atrás para nos pegar.
– Entre aqui p'ra dentro e esconda-se com o seu povo.
O sapateiro, que morava naqueles desertos, vivia sempre prevenido. Botou uma carga de chumbo
bem grande na espingarda e disse:
– Deixe o bicho vir p'ra cá.
Quando viu aquele monstro de bicho, botando fogo pelos olhos, chegou a espingarda bem para
junto de si. Depois passou a mão na faquinha e começou a cortar sua sola assoviando. Lá vem o
bicho com a sua lacantina:
– "Matei tigre, matei onça ", etc.
Foi chegando perto da tenda e foi gritando:
– Oh! seu sapateiro! Você não viu passar por aqui um homem, uma mulher e uns meninos correndo?
O sapateiro assoviando. O bicho chegou-se mais e repetiu a pergunta. O sapateiro bem de seu.
Quando o bicho foi querendo entrar na tenda, ele bateu mão na taboca, e – pou!
O bicho revirou de pernas para o ar, dando um urro, que estrondou. Gritou o sapateiro:
– Me ajude aqui, senhor...
Saiu o homem de lá de dentro, com a mulher e os filhos, fazendo a festa ao bicho, de pau e de
pedras. Quando acabaram de matá-lo, arrastaram-no para longe, a fim dos urubus darem cabo dele...
O homem, então, contou ao sapateiro tudo quanto se tinha passado. Disse-lhe o sapateiro:
– Pois bem, meu amigo, siga descansado para sua casa e nunca mais vá matar boi em lugar onde
não haja mosca nem mosquitos. O homem deixou de ser cauíla. Matava os seus bois em sua casa
mesmo, repartindo o fato com todos os vizinhos.
Dom Marujá
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