A Bela e a Fera ( A Bela e o Monstro)...

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A Bela e a Fera (A Bela e o Monstro em Portugal) é um Conto de fadas, escrito por Madame Jeanne-Marie de Beaulmont. Veja abaixo o conto:


Era uma vez um rico negociante que tinha seis filhos, três rapazes e três moças. Amava muito seus filhos e deu a eles excelente educação com ótimos instrutores. Suas filhas eram muito bonitas e a caçula se destacava em beleza e bondade. Desde o nascimento todos a chamavam de “bela menina”, assim ela acabou sendo batizada como “Bela” – o que deixava suas irmãs com cheias de inveja.
A caçula, além de mais bela era também melhor que suas irmãs. As mais velhas eram muito orgulhosas de sua riqueza e de sua beleza. Davam-se ares de grandes damas e não permitiam que outras filhas de comerciantes as visitassem, pois só gostavam da companhia de pessoas da nobreza. Tinham uma vida muito agitada, todos os dias iam aos bailes, ao teatro e zombavam da caçula, que possuía riqueza interior e ocupava a maior parte de seu tempo lendo bons livros.
Como a família era muito rica não lhes faltava pretendentes, filhos de ricos negociantes que as pediam em casamento. As duas mais velhas esnobavam todos os rapazes que se aproximavam delas dizendo que nunca se casariam, a não ser que fosse com duques, ou pelo menos, com condes. Bela agradecia delicadamente aos que queriam desposá-la, mas dizia que era muito jovem e que desejava continuar na companhia de seu pai por mais alguns anos.
Num golpe do destino, da noite para o dia o negociante perdeu tudo que tinha, ficando sem sua fortuna. Só lhe restou uma pequena casa de campo, bem longe da cidade. Desolado contou aos filhos o que sucedera e que teriam de ir morar no campo, trabalhando como camponeses para sobreviver. As duas filhas mais velhas ficaram furiosas, disseram que não deixariam a cidade, que tinha, vários admiradores que ficariam felicíssimos em se casar com elas, apesar de não terem mais fortuna. Bem se vê que essas pobres criaturas nada conheciam da vida e estavam completamente enganadas. Seus admiradores não queriam mais nem olhar pra elas agora que estavam pobres. Ninguém gostava delas por causa de sua soberba e agora diziam: “Chegou a hora das grandes damas pastorearem carneiros no pasto”. Mas ao mesmo tempo todo o mundo repetia: “Quanto a Bela temos muita pena de seu infortúnio. É uma moça tão boa! Trata os pobres com tanta bondade, é tão carinhosa, tão virtuosa...”.
Muitos fidalgos quiseram se casar com Bela, embora ela não tivesse mais nem um tostão, e a todos ela explicava que não podia abandonar seu pai agora que estava na miséria, que iria com ele para o campo e o ajudaria em tudo que precisasse. No começo Bela ficou muito abatida por sua família ter perdido a fortuna, mas refletiu e percebeu que chorar e sofrer não devolveria sua antiga situação de opulência: “Tenho tratar de ser feliz sem ela”.
Já morando em sua casa nova no campo o negociante e os filhos passavam o dia lavrando a terra. Bela acordava de madrugada e já começava a limpar toda a casa e fazer o café da manhã para toda família. No começo foi muito difícil, pois não estava acostumada a trabalhar como uma criada, mas com o passar do tempo o trabalho tornou-a forte e mais saudável. Quando terminava seus afazeres ainda lia, tocava cravo ou cantava enquanto fiava. Suas duas irmãs, por outro lado, passavam o dia sem fazer nada, não davam a menor ajuda e morriam de tédio. Acordavam quando a manhã já ia alta e passeavam o dia inteiro pela propriedade só se lamentando pela perda da posição, das festas e roupas que não tinham mais.
“Veja só a nossa irmã”, diziam, referindo-se a Bela, “é tão grosseira e estúpida que está contente com a sua situação!
O bom negociante ficava muito incomodado com o jeito das filhas mais velhas tratarem Bela, pois sabia que ela era uma moça especial, ao contrário das irmãs, tão frívolas. Admirava as virtudes dessa filha, e, sobretudo a sua paciência, pois as irmãs, além de descarregar todo trabalho doméstico nas costas da caçula, insultavam-na a todo instante.
Já se passara um ano desde que a família estava nesta situação quando o negociante recebeu uma carta informando que um navio, que trazia mercadorias suas, acabava de atracar com segurança. As irmãs mais velhas ficaram alucinadas com essa notícia, achando que finalmente iriam voltar à cidade e se libertar da vida no campo que tanto odiavam. Acompanharam o pai até a porta pedindo que ele lhes trouxesse ricos presentes, vestidos, jóias, perucas, adornos e tudo de caro que pudessem carregar. Bela não pediu nada, pois pensou consigo mesma que todo dinheiro que seu pai ganhasse com as mercadorias não seria suficiente para comprar tudo que as irmãs desejavam
“Bela, o que você quer de presente?”, perguntou o pai.
“A única coisa que eu gostaria de ganhar é uma rosa, pois essa flor não cresce aqui”.
As irmãs começaram a zoar chamando Bela de simplória, mas como sempre A jovem ignorou-as.
O negociante partiu. Chegando ao porto teve a triste surpresa de descobrir que estava pobre como antes, pois suas mercadorias tinham problemas legais e só lhe deram contrariedades. Só faltavam poucos quilômetros para chegar a casa e ele já sentia o prazer de rever os filhos. Antes de chegar, porém, tinha de atravessar um enorme bosque ela ele se perdeu. Andou em círculos por muitas horas em meio a uma terrível tempestade de neve e sob um vento tão forte que mais de uma vez chegou a derrubá-lo do cavalo. Quando a noite caiu, exausto, faminto e meio desesperado pensava que morreria de fome ou de frio, ou que seria comido pelos lobos que ouvia uivar à sua volta.
Inesperadamente, ao fim de um comprido túnel de árvores, viu uma forte luz que brilhava, mas parecia estar ainda muito distante. Segui rumo àquela direção e viu que a luz saia de um grande palácio, todo iluminado. O negociante agradeceu à Deus pelo socorro que lhe enviara e tratou de chegar o mais rápido possível àquele castelo. Ficou surpreso ao notar que os pátios estavam desertos, não tinha uma viva alma. Seu cavalo, que o seguia, entrou sozinho ao ver um grande estábulo vazio. Lá encontrou feno e aveia, e o pobre animal, que estava morto de fome, pôs-se a comer com apetite voraz. O negociante o amarrou no estábulo e dirigiu-se ao castelo. Não havia ninguém à vista, mas, tendo entrado num amplo salão, encontrou um bom fogo e uma mesa farta de boa comida, com prato e talheres para apenas uma pessoa. Como estava encharcado até os ossos pela neve e chuva que tomara, aproximou-se do fogo para se aquecer, pensando consigo mesmo: “O dono da casa ou seus criados perdoarão a liberdade que tomei. Provavelmente logo vão aparecer”!
Esperou durante longo tempo, aproximava-se a meia-noite e cansado de esperar e faminto não resistiu mais: comeu com gosto um frango apetitoso que estava a sua frente, serviu-se do vinho e comeu até fartar-se. Já refeito do cansaço e mais animado, saiu da sala e atravessou vários salões magnificamente mobiliados. Finalmente encontrou um quarto onde havia uma cama. Passava da meia-noite, ele estava exausto, fechou a porta e foi dormir.
No dia seguinte quando se levantou passava das dez horas da manhã. Para sua surpresa encontrou uma roupa nova e limpinha no lugar da sua, que havia se estragado na tempestade. “Com certeza”, pensou consigo mesmo, “este palácio pertence a uma boa fada que teve piedade da minha situação”.
Olhou pela janela e viu que não havia mais o menor resquício da terrível tempestade da noite anterior, não havia mais neve, mas alamedas rodeadas por flores que encantavam a vista. Voltou para o salão onde ceara na noite anterior e encontrou um chocolate quente sobre a mesa.
“Muito obrigada senhora fada”, falou em voz alta, “por ter tido a bondade de me servir esse café da manhã”.
Tomou seu chocolate e foi em busca de seu cavalo, preparando-se para partir. Ao passar pelo canteiro de rosas lembrou - se do pedido da filha e colheu um ramo com várias flores. No mesmo instante ouviu soar um barulho assustador e aproximou-se dele uma fera tão medonha que ficou petrificado, não conseguia se mover.
Com um vozeirão terrível a fera lhe disse: “O senhor é um ingrato. Salvei sua vida, recebi-o no meu castelo e, para minha decepção o senhor rouba minhas rosas, que amo mais do que tudo no mundo. Só a morte para reparar esse erro. Dou-lhe dez minutos para rezar à Deus ou ao Diabo, o senhor é quem escolhe, antes de morrer.”
O negociante ficou desesperado, ajoelhou-se e suplicou ao monstro: “Perdoai-me Vossa Alteza, colhi uma rosa na melhor das intenções apenas para atender ao pedido de uma das minhas filhas, não tive intenção de ofendê-lo.”
“Não me chamo Vossa Alteza”, respondeu o monstro, “não tenho nome, pode me chamar de Fera”. E não tolero elogios, gosto da franqueza, que se diga o que pensa. Não tente me comover puxando meu saco com bajulações, mas disponho-me a perdoá-lo com a condição que sua filha, a que pediu a rosa ,voluntariamente se ofereça para morrer em seu lugar. E não me venha com histórias. Parta imediatamente e jure que se sua filha se recusar a morrer por você, estará de volta daqui a três dias.
O negociante não tinha intenção de sacrificar nenhum de seus filhos àquele monstro malvado, mas pensou: “Ao menos poderei abraçar meus filhos ainda uma vez antes de morrer”. Jurou ao monstro tudo que ele queria e a fera lhe deu permissão para partir quando quisesse. “Não quero que chegue a sua casa de mãos vazias. Volte ao quarto onde dormiu e lá encontrará um grande cofre vazio. Encha-o com tudo que desejar, mandarei levá-lo à sua casa.”
A Fera retirou-se o deixando sozinho e o negociante pensou: “Já que vou morrer pelo menos levarei tudo que puder para ajudar meus filhos”.
Voltou a seu quarto e, encontrando ali grande quantidade de moedas de ouro e jóias valorosas, encheu até a borda o cofre que a Fera havia falado. Fechou-o, foi buscar seu cavalo no estábulo e partiu do palácio com uma tristeza tão grande que seu coração doía. Seu cavalo instintivamente escolheu o caminho certo no meio da floresta, e em poucas horas o negociante chegava enfim em sua casa.
Seus seis filhos vieram correndo ao seu encontro a abraçá-lo, mas, em vez de se alegrar com seus carinhos, pôs-se a chorar. Tinha nas mãos o ramo de rosas que trazia para Bela. Ao entregá-lo disse: “Bela, cuide bem dessas rosas. Elas custaram muito caro ao seu pobre pai.” E prontamente contou à família a extraordinária aventura por que passara. Ao ouvir seu relato as filhas mais velhas ficaram furiosas. Gritavam, esbravejavam e lançavam insultos contra Bela, que chorava sem parar. “Vejam o resultado da idiotice dessa criatura”, disseram, “Por que não pediu artigos de toalete como nós? Mas não, a senhorita queria ser diferente e por causa disse vai causar a morte do nosso pai.”
“Por que eu deveria chorar a morte do meu pai”, perguntou Bela, se refazendo do primeiro choque, “ele não vai morrer. Como o monstro está disposto a aceitar a filha que pediu a rosa em troca dele, vou me entregar a sua fúria. Estou muito feliz, porque morrendo, terei a alegria de salvar meu pai e lhe provar o meu amor.”
Prontamente respondiam seus três irmãos: “Não minha irmã. Você não vai morrer. Vamos encontrar esse monstro e matá-lo, ou morrer lutando!”.
“Não se enganem meus filhos”, disse-lhes o negociante. “A força da Fera é tal que não tenho a menor esperança que possamos matá-la. Fico comovido com o coração abnegado de Bela, mas não quero entregá-la a morte. Já estou velho e provavelmente não tenho mais muito tempo de vida. Só lamento porque não estarei mais com vocês, meus queridos filhos.”
“Não permitirei que vá sozinho a esse palácio”, disse Bela. Prefiro ser devorada por essa fera a ter de agüentar a dor que sentiria com a sua perda.”
Não adiantou argumentar, Bela estava irremovível na decisão de partir para o palácio. Suas irmãs, pelo contrário, ficaram encantadas por essa idéia, já que iriam se livrar da caçula por quem nutriam grande inveja. O negociante estava tão absorvido com a dor de perder a filha que não se lembrou do cofre repleto de ouro que trouxera. Porém, assim que se fechou em seu quarto para dormir, ficou muito espantado por encontrá-lo junto à sua cama. Decidiu esconder dos filhos que estavam ricos novamente, porque as moças iriam imediatamente querer voltar para a cidade e ele queria viver o tempo que lhe restara no campo. Mas, confiou o segredo a Bela, que por sua vez lhe contou que, durante o tempo em que estivera fora, foram visitados por fidalgos. Dois desses ricos homens eram apaixonados por suas irmãs, e ela pediu ao pai que as casasse. Era tão boa que apesar de tudo que elas lhe faziam, ainda gostava delas, e as perdoava de todo coração pelo mal que lhe haviam feito.
Quando na manhã seguinte Bela partiu como pai, as duas irmãs tão falsas esfregaram cebola nos olhos para parecer que choravam, mas os três irmãos choravam de verdade, desolados, assim como o negociante. Bela agüentava firme para não piorar ainda mais a situação que era tão dolorosa.
Os cavalos rumaram pelo caminho que levava ao palácio e, ao anoitecer, puderam vê-lo iluminado como da primeira vez. Deixaram os cavalos no estábulo e o negociante e a filha entraram no salão, onde encontraram uma mesa magnificamente servida, com pretos e talheres para dois. O negociante não conseguia comer nada diante desta situação, mas Bela, esforçando-se para parecer tranqüila, sentou-se à mesa e o serviu. Enquanto isso pensava: “A Fera que me engordar antes de me comer, por isso me serve essa farta refeição.” Assim que acabaram de comer ouviram um barulho estrondoso e o negociante, em lágrimas, despediu-se da filha, porque sabia que a Fera se aproximava. Bela não pode conter um arrepio ao ver aquela terrível figura. Após o susto do primeiro contato controlou-se o melhor que pôde, e quando o monstro lhe perguntou se viera espontaneamente, respondeu tremendo que sim.
“Você é muito bondosa”, disse a Fera, “e sou-lhe muito agradecido. Quanto ao senhor, meu bom homem, parta pela manhã, e nunca mais ouse voltar aqui. Até mais Bela.”
“Até mais Fera, Bela respondeu, e o ser fantástico retirou do aposento”.
“Ah, minha filha!” disse o negociante dando um abraço apertado em Bela, “Já estou arrependido de ter concordado com você, parta e deixe que eu fique aqui.”
“Não meu pai”, disse Bela com firmeza, “O senhor partirá amanhã assim que o dia clarear, e me entregará à misericórdia de Deus. Que Ele tenha piedade de mim!”
Os dois se recolherem muito atormentados achando que não conseguiriam pregar os olhos a noite inteira, porém, mal havia se deitado caíram no mais profundo dos sonos. Enquanto dormia Bela sonhou com uma dama que lhe dizia: “Estou contente com seu bom coração e com sua coragem Bela. Sua boa ação, oferecendo a sua própria vida para salvar a do seu pai não ficará sem recompensa.”

Logo que acordou Bela contou o sonho a seu pai, e mesmo com esse consolo não conseguiu conter um choro muito sofrido ao se separar de sua querida filha.

Depois da partida do pai Bela sentou-se no grande salão e começou a chorar também. Porém, como era muito corajosa entregou-se nas mãos de Deus e decidiu que não adiantava se atormentar mais com algo que já estava determinado, e resolveu esperar em paz a hora em que a Fera a devoraria.

Enquanto esperava, resolveu visitar o castelo, pois era muito bonito. Foi andando pelos corredores e teve a maior surpresa ao se deparar com uma porta onde estava escrito: Aposentos de Bela. Em um impulso abriu a porta e ficou com a magnificência que encontrou ali, onde não faltava um grande armário repleto de bons livros, um cravo e várias partituras de música.

“Alguém que me agradar”, murmurou. Em seguida pensou: “Se eu tivesse só um dia para passar aqui não estariam me cobrindo com tantos presentes.” Esse pensamento a alegrou. Abriu um armário e encontrou um livro onde estava escrito em letras douradas: “Vossos desejos são ordens. Aqui, sois a rainha e a senhora.

“Com um longo suspiro pensou: “Tudo que desejo é rever meu pai e saber o que está fazendo agora.” Foi só um pensamento, mas para sua surpresa, ao olhar para um grande espelho a sua frente, viu nele a sua casa e seu pai chegando com um semblante arrasado. As irmãs correram para abraçá-lo fazendo caretas para parecerem tristes, enquanto seus olhos transbordavam de felicidade por não precisarem mais rever a irmã da qual morriam de inveja. Essa cena durou apenas alguns instantes, desaparecendo logo em seguida, e Bela admitiu que a Fera era bem indulgente, e que ela não devia temê-la.

Ao meio-dia encontrou a mesa posta e almoçou ouvindo um concerto arrebatador, embora não visse ninguém a tocar nenhum instrumento. Na hora do jantar, assim que se sentou à mesa ouviu o barulho que antecedia a chegada da Fera e não pode conter um calafrio.

“Bela”, disse o monstro, “minha presença durante sua ceia lhe incomoda”?

“O senhor é que é o dono deste reino”, disse Bela, tremendo.

“Não”, respondeu a Fera, Não há aqui outra senhora além de Bela. Se a aborreço é só dizer uma só palavra e irei embora. Diga, a senhorita me acha muito feio?”

“Sim, eu acho”, disse Bela. “Não sei mentir. Mas acredito que é muito bom.”

“Tem razão”, disse o monstro, “sou feio e acho que não tenho inteligência, apesar não passo de um animal.”

“Não pode ser um animal se acha que não tem inteligência, respondeu Bela. “Um tolo nunca sabe que é tolo.”

“Então coma Bela”, disse a Fera, “tudo que está aqui é seu, não quero que tenha nenhum aborrecimento, pois eu ficaria desolado se você não estivesse contente.”

“O senhor é muito bondoso e atenciosos”, disse Bela. Confesso que seu coração me atinge profundamente. “Quando penso nele o senhor não me parece tão feio.”

“A senhorita está certa”, respondeu a Fera, “Tenho um bom coração, mas apesar disso sou um monstro.”

“Muitos homens são mais monstruosos”, disse Bela, “e gosto mais do senhor com essa aparência que daqueles que, atrás de uma boa aparência de homens, escondem um coração falso, corrompido, cruel.”

“Gostaria de lhe agradecer com um grande elogio”, respondeu a Fera, “mas como sou um estúpido tudo que posso dizer é que fico muito grato.”

Bela ceou com apetite a gostosa refeição que estava a sua frente. Quase não tinha mais medo da Fera, mas levou o maior susto quando esta lhe perguntou de repente: “ Bela, quer ser minha mulher?”

Bela ficou parada, sem resposta por algum tempo. Temia provocar a cólera da Fera recusando-o. Mesmo assim foi franca, respondendo: “Não, Fera.”.

Ouvindo isso o pobre monstro soltou um profundo suspiro, tão triste e tão alto que ressoou por todo castelo. Mas Bela logo se acalmou porque a Fera lhe disse tristemente: “Adeus, Bela”, e saiu da sala, virando-se de vez em quando para olhar para ela mais uma vez.

Novamente sozinha Bela sentiu grande compaixão por aquela pobre Fera: “Que pena que seja tão feio, é tão bom, tão querido.”

Três meses se passaram que Bela chegara àquele palácio, na mais completa tranqüilidade. Todas as noites a Fera a visitava durante a ceia, onde tinham conversas deliciosas. Aos poucos Bela se acostumara com sua feiúra e. longe de temer o momento de sua visita, esperava ansiosa às nove horas, a hora em que a Fera aparecia. Só uma coisa afligia Bela: é que o monstro diariamente, antes de se retirar sempre perguntava se ela queria se casar com ele e parecia profundamente ferido se a resposta era não.

Certo dia Bela falou: “ O senhor está me fazendo sofrer, Fera. Gostaria de poder aceitar seu pedido de casamento, mas sou muito sincera para iludi-lo, afirmando que um dia isso acontecerá. Por enquanto o que posso dizer é que sempre serei sua amiga.”

“Não me resta outra coisa”, respondeu o monstro, “não tenho ilusões a respeito da minha aparência, sei que sou horrível, mas a amo muito e, seja como for, fico muito feliz por permanecer aqui comigo. Prometa que não me deixará!”

Bela ficou perturbada com esse pedido. Soubera através do espelho que seu pai estava doente de tristeza por tê-la perdido e desejava revê-lo.

“Prometo que nunca vou abandoná-lo”, disse Bela, “mas tenho muita vontade de rever meu pai, mesmo que só por algum tempo, e sofreria muito se não me deixasse.”

“Prefiro morrer a fazê-la sofrer”, respondeu a Fera, “Vou enviá-la à casa de seu pai, mas se a senhorita não voltar, sua pobre Fera morrerá de dor.”

“Não”, disse Bela, chorando só em pensar nessa possibilidade, “Meu amor é muito grande para causar a sua morte. Prometo voltar em oito dias. Pelo senhor já estou sabendo que minhas irmãs estão casadas e que meus irmãos partiram para o exército. Meu pai está completamente só, permita que eu passe uma semana com ele.

“Estará em sua casa amanhã cedo”, disse a Fera, “Mas não esqueça da sua promessa. Quando quiser voltar só precisa pôr seu anel sobre uma mesa ao se deitar.”

Ao dizer essas palavras a Fera suspirou como era de seu costume e Bela foi se deitar triste por tê-lo feito sofrer.

Bela acordou na casa do pai, nesse momento entrou uma criada que se assustou ao vê-la e deu um grande grito. O negociante veio correndo ver o que estava acontecendo e quase morreu de alegria ao ver sua querida filha. Pulavam de alegria e se abraçaram por muito tempo. Após o alvoroço do reencontro, Bela percebeu que não trouxera suas roupas e que não tinha com o que se vestir, quando seus olhos se depararam com um grande baú ao lado de sua cama, repleto de lindos vestidos enfeitados com pedras preciosas. Imediatamente Bela mandou, em pensamento, agradecimentos à Fera por suas atenções. Pegou o vestido mais simples e ordenou à criada que guardasse os outros, pois tinha a intenção de dá-los de presente as suas irmãs. Foi só ela dizer isso e o baú desapareceu da sua frente. Seu pai, com sabedoria, alertou que a Fera deu aquele presente para Bela, e que não queria que ela os desse a ninguém e, prontamente o baú com os vestidos voltou para o mesmo lugar.

Enquanto Bela se aprontava para o café da manhã a criada foi avisar suas irmãs de sua chegada. Essas, apesar de casadas com ricos fidalgos estavam infelizes. A mais velha se casara com um belíssimo rapaz, e este amava muito a si mesmo, passava o dia cuidando de sua própria aparência e não tinha olhos para a esposa. A segunda se casara com um homem assaz inteligente, e este usava a inteligência apenas para, com uma língua muito ferina, espicaçar todos que passavam na sua frente, a começar pela própria esposa. As irmãs de Bela quase morreram de amargura ao vê-la mais bela ainda do que antes e vestida como uma princesa, nem conseguiam disfarçar. Bela tentou alegrá-las, mas nada adiantou, ao contrário, piorou, elas quase explodiram de inveja quando Bela lhes contou como era feliz. As duas invejosas assim que se viram a sós começaram a falar de Bela: “Como essa criatura se atreve a ser mais feliz do que nós? Somos mais belas e mais encantadoras!”.
“Irmã”, disse a mais velha, “ tive uma idéia para destruir com a alegria dela. Só temos que conseguir segurar Bela aqui por mais de oito dias. Aquela Fera idiota ficará furiosa por ela ter lhe faltado com a palavra e a devorará”.
“Ótima idéia”, respondeu a outra, “com jeito, lhe fazendo mil agrados vamos atingir o nosso intento!”. Felizes com sua idéia maligna foram ao encontro de Bela e foram tão afetuosas com ela, que esta comovida chorou de felicidade acreditando que as irmãs tinham mudado. Passado os oito dias as irmãs começaram a fazer um teatro, se mostrando profundamente consternadas com a partida de Bela, implorando-lhe que ficasse mais um pouco com elas, e choraram até que Bela prometesse permanecer por mais oito dias. Bela assim o fez para acalmar as irmãs, ao mesmo tempo em que se martirizava pensando na Fera, a quem amava de todo coração, e de quem sentia muita falta. Na décima noite em que passou na casa de seu pai, Bela sonhou que estava no jardim do palácio e deitado na grama, à morte estava a Fera, triste por sua ingratidão. Bela acordou sobressaltada e em prantos com a imagem do sofrimento de sua querida Fera.
“Estarei sendo perversa”, disse ela consigo mesma, “fazer sofrer a Fera que é tão bondosa comigo? Ele não tem culpa por ser tão feio, o mais importante é que tem um coração de ouro! Por que não quis me casar com ele? Seria mais feliz ao lado dele do que minhas irmãs com seus lindos maridos. Não é a inteligência ou beleza de um marido o que faz uma mulher feliz, mas sim seu caráter, sua bondade, sua cumplicidade, e a Fera tem de sobra todas essas boas qualidades. Não agüento fazê-lo infeliz, é ingratidão da minha parte. Eu me condenaria por isso para o resto da minha vida”.
Pensando assim Bela imediatamente se levantou, pôs seu anel sobre a mesa próxima e voltou para a cama. Adormeceu assim que se deitou e, ao acordar pela manhã, viu com grande alegria que estava no palácio da Fera. Vestiu-se rapidamente para reencontrar a Fera, colocando o vestido mais bonito que encontrou só para agradá-lo, e ficou ansiosamente aguardando as dar nove horas da noite. Enfim o relógio começou a dar as badaladas, mas quando acabou a Fera não apareceu.
Bela se assustou, temeu que com seu atraso em retornar tivesse causado a morte da Fera, e saiu em desabalada correria percorrendo todo palácio, procurando por toda parte, gritando pela Fera. Desesperada de repente lembrou-se do seu sonho e correu para o jardim na direção do canal, onde o tinha visto. Encontrou a pobre Fera caída no chão, já inconsciente, e pensou que ele estivesse morto.
Atirou-se em prantos sobre seu corpo, não sentindo mais a menor repulsa pela sua aparência, e abraçando-se nele percebeu que seu coração ainda batia fracamente. Com as mãos pegou água do canal e jogou sobre seu rosto. A Fera abriu os olhos e disse a Bela: “ Você esqueceu sua promessa. A dor de perdê-la deixou-me nesse estado, mas morrerei feliz porque tive o prazer de revê-la mais uma vez”.
“Não querido, você não vai morrer não”, respondeu Bela, Vai viver para se tornar meu esposo. Neste momento lhe concedo minha mão, e juro que pertencerei somente a você. Ai de mim, por muito tempo acreditei que o que sentia por você era só amizade, mas a dor que sinto ao vê-lo assim me faz ver que o amo e que não poderei viver sem a sua presença”.
Mal pronunciara essas palavras, diante dos olhos assustados de Bela, o castelo resplandeceu em luz, surgindo uma explosão de lindíssimos fogos de artifício, com uma música maravilhosa vinda não se sabe de onde. Apesar disso, Bela só conseguia olhar para a Fera, cujo estado a inquietava. Que surpresa ela teve! A Fera desaparecera e tudo que Bela viu foi um príncipe mais belo que o amor a seus pés, agradecendo-lhe por ter desfeito o encantamento. Bela olhou atônita para o príncipe e perguntou onde estava a Fera.

“Está a seus pés”, disse-lhe o príncipe, “a Fera sou eu, ou melhor, era”. “Há muito tempo atrás eu era o poderoso príncipe de um reino distante, e apesar de ter boas qualidades, era mau, grosseiro e impiedoso. Um dia minha fada madrinha, disfarçada de mendiga, bateu à minha porta pedindo alimento e acolhida. Eu mesmo a joguei pra fora a pontapés. Naquele instante ela se deu a conhecer e me condenou a viver sob essa forma, até que meu coração se transformasse pelo sofrimento e pelo amor a uma bela moça, que me amasse e consentisse em se casar comigo. Proibiu-me também de deixar minha inteligência aparecer. Você foi a única pessoa no mundo bondosa o bastante para se deixar tocar pelo meu coração. Nem lhe oferecendo minha coroa posso saldar toda a dívida de gratidão que tenho com você”.
Bela deu a mão ao príncipe e foram juntos para o castelo, e para sua surpresa e alegria ela encontrou no salão o pai e sua família, que a linda dama de seu sonho tinha transportado pra lá.
“Bela”, disse-lhe essa dama, que era uma fada, está na hora de você colher a recompensa por sua boa escolha: você preferiu a virtude à beleza e à inteligência, portanto merece encontrar todas essas qualidades reunidas numa mesma pessoa. Vai se tornar uma grande rainha. Espero que o trono não destrua suas virtudes. “Quanto às senhoritas”, disse a fada para as irmãs de Bela, “serão transportadas cada uma para um castelo onde, convertidas em feras, passarão pela mesma experiência do príncipe até que seus corações perversos e invejosos se convertam em bondade, ou até que morram de velhice, ou até que alguém, horrorizado com a aparência de vocês, as mate”.E assim foi feito.
Depois a fada moveu sua varinha, transportando todos que ali estavam para o reino do príncipe, onde seus súditos o receberam com grande alegria. Ele se casou com Bela, que viveu com ele por muitos e muitos anos, numa felicidade tão perfeita quanto a que é possível aos mortais.

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